*Por Beto Almeida
“Uma
notícia tá chegando lá do Maranhão, não deu no rádio, no jornal ou na
televisão, ficar de frente para o mar e de costas pro Brasil não vai fazer
deste lugar um bom país!”
Notícias
do Brasil Milton Nascimento e Fernando Brant
Quando a TV Comunitária de Brasília nasceu, em
13 de agosto de 1997, estávamos embarcando num sonho: o de realizar a
Batalha das Ideias necessária à transformação em embelezamento da vida, que
pode ser libertada deste chicote eletrônico em que se transformou a TV
Brasileira comercial, embrutecedora, anti-civilizatória, violenta,
desinformativa e mesquinha. Uma verdadeira algema mental para travar a
indispensável conversação da sociedade consigo mesma, um diálogo sincero, em
busca de mudanças prementes para que um país tão rico, seja bondoso, generoso,
e acolhedor para todos os brasileiros.
Nascemos pobres, tínhamos apenas 2 horas de
programação por dia, com vídeos VHS e SVHS e um vídeo Super VHS emprestado pela
Abravídeo do herói Ruy Godinho, mas ricos na esperança e na confiança daqueles
que nos cercaram desde o início, protegendo-nos, como se deve fazer a um bebê
indefeso. Fomos ganhando peso, aprendemos a caminhar, de pé passamos a enxergar
mais longe, e aumentamos nossa capacidade de sonhar, em parceria com quem estava
conosco desde o início: a Abravídeo – Associação Brasiliense de Apoio ao
Vídeo no Movimento Popular, o Sinpro, a ADUnB, o
Sinttel, os Bancários, os Rodoviários, os Radialistas, o MST, os estudantes de
Jornalismo, os artistas, os intelectuais, os ecologistas, a OAB-DF, a União
Planetária, por meio do Dr. Ulisses Riedel, e a NET. A Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) foi a nossa plataforma de lançamento inicial.
Tivemos alegrias e mais alegrias, experiências foram se acumulando, especialmente quando a Velha Gráfica do Sindicato dos Jornalistas, transformada em Teatro dos Jornalistas, pelo então presidente Bartolomeu Rodrigues, foi ocupada pela TV Comunitária. O local onde se fazia a Cozinha Fotográfica, virou palco/auditório e estúdio, onde se realizaram, ao vivo, várias plenárias do Plebiscito sobre a Dívida Externa e a Vale Estatal, onde foram realizados debates sobre o perigo dos transgênicos, onde recebemos para debate a filha do Comandante Che Guevara, Aleida Guevara, onde realizamos um debate informativo sobre os 25 anos da Batalha de Cuito Cuanavale, com a presença de representantes de Cuba, Angola, Namíbia e África do Sul, esclarecendo sobre o papel decisivo de Cuba na derrota do regime do Apartheid. Fomos acumulando Tesouros Informativos, Memoriais.
Uma TV que
ama e respeita o povo brasileiro
Logo
conseguimos passar a transmitir 24 horas por dia, com uma produção própria
crescendo, com a cobertura das passeatas, das greves, das lutas estudantis, da
luta contra a privatização da Vale, com as enriquecedores presenças do Prof.
Bautista Vidal, nosso presidente de honra; do líder nacional do MST, João Pedro
Stédile; do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que nos honrou como
conselheiro; com a sabedoria do Professor Adriano Benayon, também nosso
conselheiro e ativo debatedor, e também com a presença sempre solidária do
senador Lauro Campos, que nos abrilhantou com sua lucidez e inteligência.
Quando a
saudosa sambista e grande brasileira Beth Carvalho se transforma em nossa
Madrinha de Honra, já estávamos inaugurando operações mais audaciosas, com a
transmissão Ao Vivo do Fórum Social de Porto Alegre, registrando a busca da
consciência transformadora universal por Um Outro Mundo é Possível. Um convênio
com a TV Paraná Educativa, estado então governado pelo combativo governador
Roberto Requião, nos permitiu inovar a grade com 3 programas de qualidade: o
Brasil Nação, nas noites de domingo, debatendo o Brasil que é sonegado ao povo,
o Papo Capital, gravado em Brasília para todo o país, e a Escola de Governo,
quando Roberto Requião inova discutindo a execução dos programas de governo na
tv, ao vivo, com a participação do diversos segmentos representativos da
sociedade paranaense, uma novidade política e televisiva.
Hugo Chávez
participou por telefone da TV Comunitária de Brasília
Nesta
altura, já estávamos transmitindo ao vivo o programa Alô Presidente, criado e
apresentado pelo próprio presidente Hugo Chávez, quando todos os passos da
Revolução Bolivariana da Venezuela e os desafios da integração da América
Latina e a busca por um mundo justo, eram tratados por satélite para todo o
continente, e, aqui em Brasília, pela TV Comunitária. Em algumas oportunidades
o próprio Presidente Chávez telefonou para a TV, colocando-nos no ar, para
debater a transformação da comunicação e a formação de uma Comunidade
Latino-americana de Nações como prevê a Constituição Brasileira, em seu
preâmbulo.
Fomos amadurecendo
tematicamente, como uma emissora de causas, irradiadora de rebeldias, usina de
ideias transgressoras e uma sociedade caquética, opressora, brutal, selvagem!
Creio que somos uma tv de compromisso com a integração da América Latina, pois
desde o nascimento da Telesur, a retransmitimos regularmente, cumprindo os
sonhos dos constituintes de 1988.
Quando Lula
chega ao Alvorada e Gilberto Gil ao Ministério da Cultura, elaboramos e
aprovamos com louvor o projeto Escola de Mídia Comunitária – TV em Movimento,
pelo qual a TV Comunitária se abriu, de forma organizada, para a participação
de crianças, adolescentes e jovens periféricos e de escolas públicas,
especialmente aqueles sonhadores em se tornarem comunicadores de sua realidade,
de sua cultura sufocada pela grande mídia, sempre insensível com a arte
combativa que vem dos guetos, das quebradas, com o GOG e todos revolucionários
como ele como o Latinidades, um festival hoje nacional, que surgiu dentro da tv
como um programa de entrevistas. Quantos espetáculos transmitimos do Clube do
Choro, quantas apresentações do Clube da Bossa, quantos desfiles do Pacotão nós
transmitimos, pois aqui, cabemos todo! Democratizar a cultura, para a TVCOMDF é
missão!
Uma TV para
saldar a dívida informativo-cultural que tortura nosso povo!
Durante a 1ª
Conferência Nacional de Comunicação apresentamos caminhos para fortalecer o
campo público de mídia tal como pede a Constituição, com indicação de medidas
viáveis e práticas que poderiam criar outro jornalismo, outra produção
comunicação no país inteiro, outra fervedura artístico-cultural, tal como na
canção Notícias do Brasil, de Milton Nascimento e Fernando Brant, gritando a
todos pulmões: “ficar de costas pro Brasil e de frente para o mar, não vai
fazer deste lugar um bom país!”
Lamentavelmente, uma tonelada de sonhos foi engavetada em alguma burocracia acovarda e os recursos públicos que faltam para gerar uma comunicação a favor da vida e do Brasil, continuaram engordando os cofres dos magnatas da mídia que já preparavam o novo golpe contra o povo, em 2016. Sem comunicação, o povo não teve como se defender do golpismo, não pode ser convocado para defender a si próprio da noite tenebrosa que vivemos com Temer e Bolsonaro.
Mas há sinais de que
continuamos patinando como aqueles indecisos cordões, que acreditam nas flores
vencendo canhões, e não pautamos a urgência de construir uma nova mídia, capaz
de fazer desde a reparação histórica contra herança da selvageria escravocrata
que ainda grassa entre nós, ou mesmo para a consciência de que não é admissível
que continuemos a entregar nosso patrimônio nacional, a Eletrobrás, as águas, o
petróleo, o nióbio rapinado a preços negativos!!! Panorama midiático continua
sintonizado no golpismo, na baixaria dos instintos, na banalização da vida e da
cultura, no embrutecimento midiático de gerações e gerações.
Que tamanha
falta de audácia para instalar definitivamente os Canais da Cidadania previstos
em lei desde 2006! Que estamos esperando para implantar os Canais da Cidadania?
Um novo golpe? Que tão pálida vontade de fazer uma distribuição de recursos
públicos que contemple a todos os que se lançaram na aventura da comunicação
democrática tendo apenas o sonho e coragem de construir caminhos, apesar da
solene ignorância que recebe dos poderes públicos!
Os sonhos
não envelhecem
Continuaremos
a sonhar, por mais 26 anos se preciso for, afinal, nós nascemos a 10 mil anos
atrás! Nós sonhamos com uma televisão onde caibam todos, onde as portas
estéticas ou informativas não se fechem para os mais sofridos e calejados, que
padecem nas filas dos hospitais, que ainda não possuem uma carteira assinada,
que ainda não possuem casa própria e que são obrigados a sofrer no transporte
público a tortura de cada dia!!!! Uma televisão que não seja uma vitrine para
vender armas, onde as telas não exalem o odor da falta de saneamento básico,
nem deixe escorrer o fel do ódio televisivo, político.
Nem parece que este país tem entre seus filhos um Darcy Ribeiro, um Paulo Freire e um Anísio Teixeira!!! Queremos uma tela de tv que transborde cultura, onde a informação sejam tijolos para edificar consciência de uma nova relação humana, reeducando os sentidos e o horizonte da vida. Uma tv onde a overdose seja apenas de ternura, de brasilidade, de inteligência que apague o obscurantismo que ainda nos ameaça, e de arte para gerar confiança de que o gênero humano tende a ser agregador, por mais que a mídia do capital o esconda e o sonegue.
Queremos uma tv com
telas compartilhadas como a reforma agrária que sonhamos acordado ver acontecer
a cada manhã. Com a recuperação do patrimônio que nos foi lesado, em tantos
crimes de lesa pátria, e que haja tanta informação pura e sincera que
estaremos, como sociedade, capazes de nos defender das “tenebrosas transações”,
sempre de tocaia para nos diminuir como povo e nação, como nos alerta Chico
Buarque. Uma tv com a veia na cultura, na ecologia da alma!
Há 26 anos
embarcamos no sonho da TV de Causas, de Compromissos, de uma informação liberta
da ditadura do mercado! Agora, 26 anos depois de uma estrada percorrida,
continuamos abrindo novas estradas para sonhar o futuro, e persuadir os
céticos, de uma tv com tom da cooperação, espalhada por todo o território
nacional, com os recursos necessários para fazer uma tela colorida de
sensibilidade, democracia e cidadania solidária.
*Beto
Almeida, jornalista e diretor da TV Comunitária de Brasília