Leonardo
Sakamoto • Colunista do UOL – 02/09/2024 19h11
Elon Musk resolveu facilitar a vida dos
brasileiros que não estão entendendo muito bem a barafunda estabelecida entre o
X/Twitter e o Supremo Tribunal Federal,
mostrando que o ministro Alexandre de Moraes têm razão em sua decisão de
suspender a rede.
O empresário vem destacando publicações
bolsonaristas que promovem os atos golpistas previstos para o próximo 7 de
setembro. As postagens de Musk foram lidas por correspondentes da Folha de
S.Paulo, que estão fora do país e, portanto, têm acesso às contas.
Mais do que uma provocação, é ataque às
instituições de outro país. E isso estava na gênese da situação que levou à
suspensão do X/Twitter: a negativa de cumprir tanto a lei (que obriga uma
representação legal das plataformas no Brasil) quanto decisões judiciais (que
exigiram a retirada de conteúdo relacionado ao golpismo e ao ódio às
instituições).
Musk despiu-se da fantasia de arauto da
democracia. Antes, ele ainda se vendia como defensor da liberdade – na verdade,
da sua liberdade de decidir que leis e países quer obedecer, pois pergunte a Xi
Jinping o que aconteceria com a Tesla na China se Musk tratasse o país como o
trata o Brasil.
Agora, além da desobediência, resolveu partir
para a ação direta.
O ex-presidente Bolsonaro e aliados estão
organizando micaretas da extrema direita na avenida Paulista e em outro locais
do país.
Entre as pautas principais, a exigência de
anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023 (o que abre caminho para
anistiar o próprio Jair no futuro) e o impeachment de Alexandre de Moraes – que
está à frente do inquérito sobre os atos golpistas, entre outros.
Vale lembrar que manifestação que defende
golpista é golpista também.
Além disso, Musk ameaçou Lula afirmando que se o
Brasil não liberar as contas do X/Twitter e da Starlink, bloqueadas para pagar
as multas milionárias, ele irá buscar a apreensão de ativos do governo
brasileiro. Deu a entender que pode
deixar o petista sem o seu avião presidencial.
Bravata tosca. Primeiro, o Poder Executivo não
tem nada a ver com a história; segundo, os Estados Unidos não contam com
nenhuma sanção contra o Brasil, como a Venezuela de Nicolás Maduro, que teve um
avião apreendido; terceiro, o Brasil é país amigo dos EUA, que têm
investimentos e interesses comerciais por aqui muito, mas muito maiores do que
o X/Twitter e a Starlink; quarto, é difícil imaginar sanção como em um governo
Trump, imagine em um Joe Biden e Kamala Harris que Musk ataca constantemente.
A ameaça ao governo não vai tirar o sono da
diplomacia brasileira, mas pode ajudar na mobilização para as micaretas de 7 de
setembro.
Hoje, o ministro Flávio Dino mandou um recado
aos proprietários de Big Techs em seu voto no STF para manter a suspensão do X.
Na avaliação da constitucionalista Eloísa
Machado, professora da FGV Direito SP e
coordenadora do centro de pesquisa Supremo
em Pauta, o recado é que “Elon Musk está usando sim a sua influência, o
seu poder e o seu dinheiro para corromper o Estado Democrático de Direito no
Brasil”.
A
decisão liminar de Moraes foi ratificada por unanimidade pelos cinco ministros
da Primeira Turma do STF nesta segunda (2).
“Ao afirmar em seu voto que ‘o poder
econômico e o tamanho da conta bancária v ‘azem nascer uma esdrúxula imunidade
de jurisdição’, Dino não diz apenas que o cara ser rico não pode interferir em
como o tribunal decide. Ele aponta que há uma percepção no STF de que o dono do
X agia dessa forma e que, se nada fosse feito, a democracia seria
atropelada”, avalia Machado.
Para ela, na questão mais ampla, Dino trata de
uma concepção de Estado que está sendo fragilizado pelas grandes empresas de
tecnologia. “Há um deslocamento de poder do espaço do direito e da
legalidade para as plataformas digitais. Nesse sentido, o voto do Dino é um
grito de sobrevivência do Estado de Direito e das instituições públicas frente
às forças que usam o seu peso econômico para uma cruzada contra um país.”
Musk quer ser o principal influenciador da
extrema direita global. E, para tanto, vai usando a democracia como
justificativa para destruir a democracia.