A Associação de Solidariedade e pela Autodeterminação do Saara Ocidental de Brasília realizou uma caminhada na tarde de sexta, dia 29 de maio, em Brasília, em defesa da liberdade dos prisioneiros saarauis e pela soberania da República Àrabe Saaraí Democrática – RASD, como parte da Jornada Mundial em apoio ao povo do deserto.
A marcha inciou na França e tentará chegar até Marrocos. São centenas de presos, que se encontram incomunicáveis, sem julgamento, sob tortura, apenas pelo fato de defenderem a libertação do Saara Ocidental, ocupado pelo Reino do Marrocos. A marcha internacional foi iniciada por Claude, esposa de um dos presos.No fina da atividade, que iniciou na Catedral de Brasília, foi entregue no Itamaraty uma carta para o Ministro Mauro Vieira, em que pede que o governo brasileiro reconheça o Saara Ocidental.
O ofício da Asaaraui foi entregue, em mão, ao Diretor do Departamento de África e pede o reconhecimento da RASD (República Árabe Saaraui Democrática) e a liberação dos presos políticos em Marrocos.
OFÍCIO DA ASAARAUI ENTREGUE PROTOCOLADA NO ITAMARATY
Senhor Ministro,
Mauro Vieira
Ministério das Relações Exteriores – Brasil
A Associação de Solidariedade e pela Autodeterminação do Povo Saaraui – Asaaraui –
DF, a AMARS, Associação de Solidariedade do Povo Saaraui, o Comitê Baiano pelo Reconhecimento da RASD pelo Brasil, com as organizações sindicais e instituições de âmbito nacional, antes de tudo, prestam suas homenagens à nação brasileira e a todas as instituições que fazem efetivos esforços para preservar os direitos humanos internacionais estabelecidos nas Nações Unidas e aos consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil.
Relatamos a Vossa Excelência, com grande preocupação, a situação dos prisioneiros civis saarauis nas prisões marroquinas. Essas pessoas enfrentam condições deploráveis, e são submetidas a comportamentos humilhantes e a represálias pelas autoridades prisionais marroquinas. A causa de seu aprisionamento é a luta pela liberdade e independência do Saara Ocidental, considerado “a última colônia” da África.
Situação do Saara Ocidental
O Saara Ocidental continua na condição de “não autônomo”, classificação da Organização das Nações Unidas. Depois de haver sido compromissada, com a participação da ONU, a realização de uma consulta ao povo saaraui, que deveria ter sido organizada em 1991. Por esse referendo, os saarauis já poderiam ter obtido a sua autodeterminação. O acordo havia sido firmado pelo Marrocos, invasor ocupante de aproximadamente dois terços do território do Saara Ocidental, a Frente Polisário, que representa o povo saaraui e luta pela libertação, e a ONU. O Reino do Marrocos voltou atrás, não cumpriu seu compromisso. A ONU, submetida a pressões lideradas pelo Marrocos, deixou de realizar o plebiscito.
A guerra foi retomada após constantes ataques do Marrocos, e ante a situação de total desconsideração com o povo saaraui e com o Saara Ocidental. A ocupação continuou, ferindo o Direito Internacional, intensificou-se a exploração ilegal das riquezas do território, foi construído pelo Marrocos um muro com mais de 2.700 quilômetros de extensão, ao longo do qual se colocaram milhões de minas explosivas para evitar a penetração do exército saaraui na guerra pela reconquista do seu território.
Destaca-se, também, a violenta repressão desencadeada pelo Marrocos ao povo saaraui dentro do próprio país ocupado. No correr dos anos, as ações orquestradas pelo país ocupante, colonizador, revelaram-se iniciativas genocidas, por suas características de expulsão do território, massacres, repressão, ataques nas ruas, prisões, desaparecimentos, espancamentos, inclusive de mulheres e jovens. Há ainda o crescente impedimento da sobrevivência cultural e do modo de vida típica dos saarauis no território cujas riquezas lhes pertencem.
A riqueza saaraui
As riquezas existentes no Saara Ocidental pertencem aos saarauis. É o que se confirma na reafirmação de sentença, em outubro de 2024, lavrada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que proíbe a exploração da riqueza no Saara Ocidental sem o consentimento do povo saaraui, representado pela Frente Polisário.
A invasão, a ocupação, marroquina, não encontra, portanto, qualquer cobertura no Direito Internacional, e sobre isso já se manifestara também a Corte Internacional de Justiça, em Haia, desde os anos 70.
Liberdade aos 33 prisioneiros civis saarauis
Especificamente sobre os prisioneiros civis saarauis, com grande respeito, apresentamos este memorando, que destaca o sofrimento suportado por 33 deles, detidos apenas por expressarem suas opiniões políticas, e ao se oporem à ocupação marroquina. Esses civis foram condenados a penas de prisão injustas. E acusados de falsas alegações, impostas em processos que careceram dos elementos mais básicos de um julgamento justo.
Durante sua detenção prolongada, eles recorreram repetidamente a várias formas de protesto, até a greves de fome consecutivas. As autoridades de ocupação marroquinas fazem “vista grossa” às reivindicações legítimas dos prisioneiros, feitas com base no direito internacional humanitário. A situação precária se acentua constantemente, e, em nefasta consequência, coloca em risco sua integridade física e psicológica.
É legítimo e legal organizações sociais brasileiras, em solidariedade ao povo oprimido saaraui, mas, antes de tudo, em defesa dos mais caros conceitos de direitos humanos, sociais, e da autodeterminação dos povos, presentes na nossa Constituição, solicitar ao Estado brasileiro que faça gestões para que o Estado marroquino seja instado de imediato a parar de submeter os prisioneiros saarauis a tratamento degradante e desumano, de modo a que sejam efetivamente garantidos os seus direitos, colocados em liberdade incondicionalmente, e se discutam as razões de seu aprisionamento, quais sejam a luta política legítima e as manifestações por liberdade de seu território e sua autodeterminação política.
O Marrocos é quem deve ser detido nas suas ações de repressão e na ocupação crescente, que viola o direito de todos os povos e agride os melhores valores e conceitos já produzidos pela humanidade, ora em risco.
As violações aos prisioneiros, para além das situações de direito internacional, territorial e política, incluem práticas cruéis, como a tortura física e psicológica, a privação de visitas, até de advogados, e todos os tipos de humilhação e métodos degradantes. Além de tudo, é-lhes negado o acesso a tratamento médico.
O território saaraui está sob cerco
Os territórios ocupados do Saara Ocidental pelo Marrocos estão sob rigoroso cerco. Após violar o acordo de cessar-fogo compromissado com a realização do citado referendo, e para criar o que pretende serem as condições para se sair vitorioso na consulta ao povo saaraui, Marrocos intensificou uma campanha sem precedentes de repressão e assédio contra todos aqueles que se manifestavam em favor do povo saaraui dentro do seu território, inclusive ativistas marroquinos, e recrudesceram cada vez mais a ação de ativistas de direitos humanos saarauis, suas famílias e civis detidos.
Delegações internacionais não obtêm livre trânsito para o reconhecimento da situação saaraui. Marrocos também proíbe a visita de jornalistas independentes, exceto daqueles que o Reino convida. Inibe a presença de pesquisadores, e a própria ONU é induzida a não visitar o território, o que poderia fazer por meio de seus organismos, missões e comissões próprias para as averiguações de direitos internacionais.
Nessa intensificação inibidora e repressiva de ações civis, o Marrocos mobilizou uma ampla gama de armas proibidas internacionalmente, incluindo drones, para executar brutalmente não apenas saarauis, mas também civis de países vizinhos que passem pelos territórios já libertados do Saara Ocidental.
Enquanto isso, os recursos naturais saarauis continuam a ser saqueados, e o território crescentemente esvaziado de sua população, objetivo último de todas as violações desde antes e continuamente em curso.
Sem contenção, há risco de genocídio
Aproveitamos esta oportunidade para chamar a atenção, portanto, igualmente, para a grave situação, que caracterizamos como genocídio em execução pelo Marrocos no Saara Ocidental, desde sua ocupação ilegal em 31 de outubro de 1975. As autoridades de ocupação realizaram assassinatos em massa de crianças, mulheres e idosos, bombardearam indiscriminadamente cidades, vilas e campos de deslocados saarauis.
O objetivo foi transformar o território do Saara Ocidental ocupado em uma espécie de celeiro em que uma corporação gigante, o próprio Estado marroquino, pôs e continua pondo à venda a vasta riqueza do povo saaraui para empresas não apenas do Marrocos, mas especialmente as de países poderosos militar e economicamente. O Reino apresenta na forma de “benefícios” da exterminação do povo saaraui a empresas estrangeiras – para que estas incidam sobre os seus países, e os levem a aceitar, ou a legitimar, pela omissão,a dominação marroquina. O roubo da riqueza saaraui, no entanto, assim como essas alianças econômicas espúrias, não tiveram nunca guarida no sistema de justiça que tenta preservar o direito internacional, e isso é fixado claramente na sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia.
O forte cerco informativo inibe o acesso ao território a instituições independentes, a agências e relatores da própria ONU, estende-se a parlamentares, a organizações não- governamentais, a jornalistas estrangeiros, a historiadores e a pesquisadores. O povo saaraui resiste. Nós, que assinamos esse documento, somos também um foco de resistência construído por solidariedade internacional aos saarauis, com total repúdio ao que ocorre no Saara Ocidental, até porque se trata, igualmente, de crime contra a humanidade, portanto, crime contra os brasileiros.
Violações sistemáticas seguidas de reassentamentos para tornar a colonização fato Consumado
Dentro das ações desrespeitosas, que visam a alterar a composição demográfica da sociedade saaraui, o Reino do Marrocos tem reassentado milhares de marroquinos, em flagrante violação do direito internacional humanitário. Tal política induz colonos marroquinos a assumir o controle, de todos os aspectos da vida, na parte ocupada do Saara Ocidental. Cidadãos saarauis são marginalizados e forçados, por vários meios, a fugir de suas casas.
Com isso, Marrocos pretende estabelecer um fato consumado nos territórios ocupados do Saara Ocidental, à revelia de todas as demais nações, ludibriadas com a falta de informações periódicas e regulares, falsas notícias, censura e cerco à mídia no que se refere aos assuntos que envolvam o Saara Ocidental e ao seu povo, os saarauis.
Em resumo, Marrocos persiste em políticas, realizando atos repressivos, intimidadores e retaliatórios de crueldade indizível contra civis saarauis e ativistas de direitos humanos.
São injustamente demitidos de seus empregos, têm a liberdade de movimento negada e são expulsos à força de sua terra natal, apenas por defenderem pacificamente o direito de seu povo à autodeterminação e à liberdade de ir e vir dentro de seu próprio território.
Situação dos 33 prisioneiros caso a caso
Seguem dados pessoais e situação prisional dos 33 prisioneiros civis saarauis cuja libertação é a resposta a julgamentos viciados e injustos, após detenções originadas na sua ação pacífica, em manifestações organizadas para a legítima defesa do direito à independência de seu país e da autodeterminação do seu povo, que se organiza na
República Árabe Saaraui Democrática, reconhecida por 84 países.
Brasil pode cumprir importante papel internacional na causa saaraui
Nosso país, com sua importância internacional, deve desempenhar um papel histórico na busca pela libertação da “última colônia da África”, invocando o respeito pela autodeterminação dos povos defendido por nossa Constituição. Recordando a decisão histórica de reconhecimento da Palestina por Sua Excelência o Presidente Lula, acreditamos que o mesmo deve ser feito com a República Saaraui. Seria uma ação para ajudar o governo dos marroquinos a ver a razão, a respeitar o direito internacional, a justiça, e a considerar os acordos alcançados com a Frente Polisário, as Nações Unidas e a União Africana, aceitando as decisões dos tribunais internacionais, em lugar da insistência na violação sistemática e crescente que alcança caráter genocida.
Senhor Ministro,
Por fim, esperamos que Vossa Excelência ajude a consolidar decisões governamentais urgentes para por fim ao sofrimento de todos os civis saarauís encarcerados em prisões marroquinas, bem como propiciar o alívio de suas famílias. Os familiares dos prisioneiros precisam fazer longas viagens para tentar visitar seus filhos ou maridos sob pressão marroquina do Saara Ocidental. A libertação imediata e incondicional é inevitável para que esses prisioneiros possam se reunir com seus entes queridos.
Contamos com Vossa Excelência para que o Brasil possa promover junto à ONU a monitoração e a elaboração de relatórios sobre as violações de direitos humanos cometidas por marroquinos no Saara Ocidental, de modo a permitir o acesso a observadores internacionais ao território e a fazer cumprir o Referendo deAutodeterminação em que os saarauis livres e claramente possam se manifestar, diante de todos os demais povos, democraticamente, e o Saara Ocidental deixe a condição de “última colônia da África”.
Queira aceitar, Senhor Ministro, a expressão do nosso mais alto respeito aos direitos humanos substantivados em vários pontos da Constituição brasileira, em consonância com o direito internacional. Expressamos ainda a confiança de que o Estado brasileiro contribua para que se evite o genocídio do povo saaraui e restabeleça no Saara Ocidental a política de descolonização em vigência, afastando o colonizador e fazendo cessar a guerra que vitima inocentes famílias marroquinas e a população inteira do Saara Ocidental.
Brasília, 29 de maio de 2025