O QUE O JN ESCONDEU HOJE DE VOCÊ
Ângela Carrato
Roberto Marinho sempre disse que tão importante
quanto o que os seus veículos de comunicação publicavam era o que deixavam de
publicar.
Como o silenciamento seletivo do Jornal Nacional é
historicamente um crime cometido contra o direito da população brasileira à
informação, passo a fazer, a partir de hoje, a relação dos assuntos que não
foram notícia ou foram abordados de forma superficial por este telejornal.
Até porque ninguém com um mínimo de
discernimento pode acreditar que está tudo tranquilo e que as
instituições funcionam plenamente.
A edição desta noite do JN (5/12) dedicou 85% do
seu tempo à Copa do Mundo, com destaque para a vitória da seleção
brasileira sobre a Coreia do Sul.
Esse tempo absurdamente excessivo acaba encobrindo
o que os irmãos Marinho preferem não abordar. A saber:
NO PLANO NACIONAL
1. A tramitação da PEC do Bolsa Família, que tem
semana muito importante no Congresso Nacional. É fundamental para o
futuro governo Lula que ela seja aprovada, mas o jogo será bruto. Os Marinho não
querem desagradar o Arthur Lira, o Centrão e menos ainda facilitar a vida de
Lula. O que está em jogo é o combate à fome de 33 milhões de
brasileiros e recursos para a saúde e educação. Mas para a Vênus Platinada, o
povo que se dane. O importante é tentar manter o futuro governo em rédeas as
mais curtas possíveis.
2. A Justiça embargou a compra de 90 tanques
de guerra por parte do governo Bolsonaro. O custo seria de R$ 5 bilhões. Em
final de governo e Bolsonaro alegando falta de recursos até para pagar os
aposentados, esse assunto ganha a maior relevância. Mas os Marinho preferem não
falar nada por causa das velhas amizades com os milicos. Ninguém pode se
esquecer que a TV Globo cresceu servindo à ditadura e ainda tem um pé nos
quartéis.
Detalhe: os tanques seriam comprados da Itália,
hoje governada pela extrema-direita.
3. O STF vota, na quarta-feira, uma importante
ação envolvendo o orçamento secreto. Como se sabe, esse orçamento é a
grande arma de que dispõe Lira para controlar a maioria na Câmara dos Deputados
e peitar o Executivo. Derrotar o orçamento secreto é fundamental para a
democracia no Brasil, mas a família Marinho não admite notícia que possa
criar qualquer embaraço para o “coronel” Lira.
4. O trabalho da Equipe de Transição de Lula e a
preparação para a posse do novo presidente. É inaceitável que faltando 26
dias para a posse não haja nenhuma informação sobre o assunto.
“Esquenta” na Globo só vale para Copa do Mundo e Carnaval?
5. A ação do ministro Alexandre de Morais contra as
fake news, em especial no caso da deputada Carla Zambelli. A fake news de
Carlos Bolsonaro sobre a ferida na perna do pai. Mostrar isso para o público
é fundamental para desconstruir a narrativa golpista da extrema-direita.
Mas a Globo se cala. E quem cala, consente.
6. Passou da hora do JN mostrar o golpismo dos
“patriotários”. O não mostrar não tem nada a ver com não dar espaço a
eles. Tem a ver com não se indispor com a milicaiada golpista. Mas o papel da
mídia não é informar?
6. O governador eleito de São Paulo prepara a
bolsonarização do seu secretariado. Vale dizer: o Palácio dos Bandeirantes vai
ser transformado em trincheira para os derrotados no plano federal.
NO PLANO INTERNACIONAL
1. O presidente eleito recebeu hoje a visita do
assessor de Relações Internacionais do governo Joe Biden, Jack Sullivan.
Oficialmente, Sullivan veio convidar Lula para um encontro com Biden antes da
posse. Isso foi dito. Faltou, no entanto, contextualizar a tal visita. Qual a
situação do governo Biden? Qual a posição do governo Biden diante do mundo
multipolar ? Qual a importância de Lula neste momento em relação a esse mundo
multipolar? O que os Estados Unidos querem efetivamente de Lula?
2. A guerra na Ucrânia acabou? Claro que não.
Apenas sumiu do JN, exatamente no momento em que Biden percebe que o feitiço
voltou-se contra o feiticeiro. Os estadunidenses estão indignados com a
inflação e querem colocar um ponto final em mais esta aventura belicista do
Partido Democrata.
3. A extrema-direita e a direita peruana tentam,
pela terceira vez, o impeachment do presidente de esquerda Pedro Castillo. No
poder a menos de dois anos, ele vem enfrentando pressões e cerceamentos. As
mobilizações internas levam todo o jeito de contarem com as digitais do Tio
Sam. Aliás, foi o cúmulo da cara de pau do presidente da OEA, Luis Almagro, se
oferecer como “mediador” para os problemas no Peru, logo ele que teve
papel fundamental no golpe contra Evo Morales.
Por falar em Bolívia, o atual presidente, Lucio
Arce, enfrenta movimento separatista na região de Santa Cruz de la Sierra. Já
Evo Morales tem denunciado o apoio aos golpistas pelos Estados Unidos.
4. Na vizinha Argentina estoura um escândalo super
parecido com algo recente no Brasil. Lá, a ex-presidenta e atual vice, Cristina
Kirchner, vem sendo vítima de lawfare. A Justiça investe contra ela da mesma
forma que aqui Lula foi vítima da Operação Lava Jato. Se aqui foi preciso um
hacker para mostrar o conluio de setores da Justiça com apoio até do
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, lá as armações contra Cristina
foram divulgadas pelo jornal Tiempo Argentino e envolvem juízes e o maior
conglomerado de mídia local, o Grupo Clarin. Qualquer semelhança entre a
Operação Lava Jato e a parceria da Globo com Sérgio Moro não é mera coincidência.
Por tudo isso, o JN está longe de fazer jornalismo.