Por Camila Marins e Isabela Vieira

É chegada a hora de assumirmos o fomento à comunicação e à produção audiovisual dos movimentos sociais como parte da política de comunicação pública

Imagine ligar a televisão e ver não apenas profissionais negros como também uma linha editorial antirracista e antissexista? A comunicação pública brasileira por meio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) tem essa função e já fez durante os governos Lula e Dilma. Deve retomar o projeto em novas bases.

Muitos, certamente, se lembram do programa Estação Plural com o trio de apresentadores LGBTQIA+ em televisão aberta. Ellen Oléria, Mel Gonçalves e Fefito fizeram história ao entrevistar Bruna Lombardi e até Linn da Quebrada, há 5 anos. Outros vão se lembrar do papo cabeça entre os escritores Raphael Montes e Conceição Evaristo, no Trilha das Letras. Mais um programa que arrebatou a juventude, na TV Brasil, foi o Aglomerado, com a CUFA, liderado por Nega Gizza e MV Bill.

Na Rádio Nacional, o Ação Periferia comandava as massas. Emicida, com certeza, se lembra. Poderíamos passar horas citando experiências da EBC, que incluem também uma dezena de conteúdos jornalísticos premiados sobre direitos humanos. Porém, deixamos a pergunta: quem, em sã consciência, perdeu a cobertura dos desfiles das campeãs? As emissoras privadas abriram mão da transmissão das escolas de samba e a TV Brasil liderou a audiência por três anos.

Essas experiências duraram pouco tempo demais. A população brasileira não assimilou essa revolução. E, mesmo assim, ela incomodou. Tanto que, um dos primeiros atos do golpista Michel Temer foi mudar tudo dentro da EBC, cassando, de imediato, o Conselho Curador, órgão formado por especialistas da sociedade civil e dos movimentos sociais para garantir uma programação diversa, plural e de qualidade, óbvio, com audiência.

O que vimos durante o governo Bolsonaro foi um intenso processo de militarização da vida, e a EBC não passou ao largo, tanto na composição de sua diretoria, como na linha editorial. Nada é mais simbólico do que o fim do histórico “Sem Censura”, programa criado na bojo da redemocratização para debater temas nacionais e que foi tirado do ar.

Na gestão atual, são inúmeras denúncias de censura que impedem, por exemplo, a cobertura de atos antidemocráticos ou mesmo impõem o apagamento da cobertura sobre o caso Marielle Franco ou sobre as chacinas promovidas pelo Estado.

De outro lado, há a produção e o investimento em séries sobre a história dos militares a partir de uma perspectiva nacionalista, masculinista e antidemocrática, embora a EBC, antes do golpe, tenha transmitido filmes e documentários fundamentais sobre o golpe civil-militar que instaurou a ditadura no Brasil — aliás, o ciclo de cinema, ainda hoje, é um dos programas de maior audiência da emissora, com pérolas nacionais.

Passamos por tentativas de desligamentos das rádios MEC e Nacional que foram consideradas, recentemente, patrimônios culturais do estado do Rio de Janeiro, mesmo a contragosto do governador Claudio Castro e seguem difundindo a cultura popular

Muito falamos sobre democratização da comunicação e um dos passos é o fortalecimento da comunicação pública na reconstrução do Brasil.

Com a eleição do presidente Lula, temos a tarefa histórica de disputar a EBC para que seja uma empresa fomentadora de conteúdo regional, negro, favelado, periférico. A comunicação será a chave estratégica para superar a desinformação e o bolsonarismo.

Hoje, há inúmeros coletivos de cultura e comunicadores populares e comunitários que produzem conteúdo de excelência num ato de resistência à narrativa hegemônica. Inclusive, há de ser lembrado que foram esses movimentos, durante a pandemia, que combateram a desinformação e as fake news nas favelas, periferias e interior, utilizando carro de som, faixas de ráfia e cartazes, por exemplo.

Imaginem cineclubes populares pelos territórios com conteúdo da EBC? É possível

Isso é fazer luta política e promover o trabalho de base comunitária, ao contrário do que arrogam sobre a possibilidade de ser um “um acampamento namastê repleto de gratiluz”. Esta, sem dúvida, é uma afirmação que desconsidera a participação popular e o pensamento de tantos movimentos sociais, além do acúmulo da própria comunicação pública, que, a bem da verdade, completa 100 anos em 2023 com a Rádio MEC AM no ar.

Agora é a hora de assumirmos o fomento político e econômico à comunicação e à produção audiovisual dos movimentos sociais como parte da política de comunicação pública.

A Rádio MEC é considerada a primeira emissora de radiodifusão pública do país. Fundada pelo cientista Edgar Roquette-Pinto, era mantida pela sociedade civil, com uma programação focada na educação transformadora e na cultura.

A TV Brasil ainda exibe um remedo chamado de “Sem Censura”, veiculado de Brasília. Nele, a apresentadora Marina Machado entrevista nomes aprovados pelos militares. Não é ao vivo e não há nenhuma forma de debate e a qualidade é duvidosa.

Camila Marins é jornalista, editora da Revista Brejeiras e foi diretora do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro

Isabela Vieira é jornalista concursada da EBC e ativista pelo direito humano à comunicação, Integra a Cojira-Rio/SJPMRJ

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