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A TV aberta à comunidade

“O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabiliza 5.561 cidades no país. Como cada uma poderá criar seu Canal da Cidadania, trazendo duas faixas de programação para organizações da sociedade civil, poderemos chegar, um dia, a 11.122 TVs comunitárias no Brasil”.

A TV aberta à comunidade
Portaria regulamenta o Canal da Cidadania, que vai transmitir programas da sociedade civil e dos governos locais.
 

Rafael Bravo Bucco


ARede nº 88 – jan/fev de 2013

O CANAL da Cidadania não é um conceito novo. Mencionado na lei da TV Digital, em 2006, passou seis anos aguardando uma norma que explicasse direitinho como funcionaria. No final do ano passado, em 18 de dezembro, o Ministério das Comunicações (Minicom) finalmente publicou a portaria 489 definindo de uma vez por todas o que será esse canal e como funcionará, quais as regras para que associações comunitárias possam criar suas próprias emissoras de TV. A proposta é fomentar a produção audiovisual independente, ampliando os conteúdos de interesse da comunidade, com produção local e regional.


A cidadania na telinha chega com tecnologia digital e multiprogramação, que permite transmitir várias faixas no mesmo canal. O modelo estabelece quatro faixas. Uma do governo municipal, outra do governo estadual, e duas das TVs comunitárias. É animador fazer as contas do impacto dessa norma para a inserção das comunidades no espaço televisivo brasileiro, ainda dominado por grandes empresas de comunicação. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabiliza 5.561 cidades no país. Como cada uma poderá criar seu Canal da Cidadania, trazendo duas faixas de programação para organizações da sociedade civil, poderemos chegar, um dia, a 11.122 TVs comunitárias no Brasil.

Mas ainda estamos longe de aproveitar todo esse potencial. Por enquanto, apenas 46% da população vive em regiões onde há sinal de TV digital. Na prática, existem limitações de espectro – a frequência pela qual o sinal de TV é transmitido. Por isso, em muitas cidades, o Canal pode ser inviável no curto prazo. Marconi Maya, superintendente de serviços de comunicação de massa da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), explica: “Primeiro, a gente precisa encontrar um par digital para todos os canais analógicos que já existem. Se houver espectro disponível naquela cidade, poderemos implementar o Canal da Cidadania assim que a habilitação ocorrer. Em outros lugares, precisaremos concluir a migração da TV analógica para a TV digital, para só depois ver qual espectro estará disponível. Depois vamos ter de avaliar se o sinal de um município não interfere no do outro para dizer se é viável que cada cidade tenha seu canal”.


Outra questão técnica que nem a portaria 489, nem a lei do cabo, nem a lei da TV Digital explicam, diz respeito ao carregamento do Canal da Cidadania – e suas quatro faixas de programação – para a grade das operadoras de TV por assinatura. “Desconheço uma solução técnica possível, nesse caso, para a multiprogramação”, adverte Maya.


Nas cidades atendidas por operadoras de serviço de acesso condicionado (como são chamados os serviços de TV paga), ficará a cargo da Agência Nacional do Cinema (Ancine) determinar como o Canal da Cidadania será incorporado. Ao regulamentar a multiprogramação, explica Maya, a Ancine precisará determinar se todas as faixas serão carregadas. Dessa forma, as operadoras terão de dispor de mais quatro canais. “Pelo artigo 32 da lei de acesso condicionado, é obrigação reservar espaço para apenas um canal de cidadania”, conclui.


Processo político

Para entrar no ar, o Canal da Cidadania vai depender de um longo processo político. O primeiro passo é mobilizar a comunidade. As organizações da sociedade civil devem mostrar à prefeitura que têm interesse. Aí, o município solicita ao Minicom a habilitação. Se a prefeitura não quiser, o governo estadual pode solicitar a outorga ao ministério. O prazo para realização dos pedidos é de 18 meses a partir da publicação da portaria, ou seja, vai até junho de 2014.


Cabe ao Minicom encaminhar o pedido ao Congresso. Se aprovado, publica-se o edital de habilitação e começa a concorrência pelas faixas comunitárias. Os concorrentes têm 60 dias para apresentar documentos. Os dois contemplados de cada cidade serão os que obtiverem mais pontos em um sistema de classificação criado para esse fim. Com o Canal da Cidadania em funcionamento, prefeitura e governo estadual terão três anos para ocupar suas faixas, preparando a infraestrutura – que será compartilhada com as TVs comunitárias. Se o poder público não assumir sua parte, as faixas ficam para a sociedade civil.

“Um problema é as faixas comunitárias estarem condicionadas ao interesse da prefeitura ou do estado. Há cidades que produzem audiovisual, mas as prefeituras não se interessam. Se ninguém se manifestar, a cidade fica sem o Canal”, ressalta Arthur William, representante nacional da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc).


Depender da solicitação do governo local foi a forma encontrada pelo ministério para permitir que organizações comunitárias tenham acesso ao sistema de TV sem modificar a legislação atual, segundo Octávio Pierante, diretor do departamento de acompanhamento e avaliação de comunicação eletrônica do Minicom. “O decreto lei 236, de 1967, diz quem pode ter canais de radiodifusão, sem menção a associações comunitárias. A lei de telecomunicações de 1997 fala apenas de rádios comunitárias, sem TV. A portaria [vinculando pedido da prefeitura à cessão das faixas comunitárias] foi a solução que a gente encontrou de conferir maior diversidade à TV digital brasileira. Depende muito do interesse do município e da sociedade. Exige uma organização por parte da comunidade, mas o que o ministério está fazendo é abrir a porta para que isso aconteça”, observa.

Pierante lembra que o gasto em infraestrutura de uma emissora de TV digital costuma ser mais baixo do que o de uma analógica. Ressalta que, em uma grande cidade, fica em cerca de R$ 2 milhões. “Em uma cidade pequena, é de menos de R$ 200 mil, além da manutenção. Valor que vem caindo”, observa. Por isso, não acredita que o desembolso necessário para uma prefeitura ou estado montarem uma emissora digital seja uma barreira à criação dos canais da cidadania.


O poder público local também deverá estabelecer um diálogo com a comunidade para que sua faixa seja usada conforme o descrito na portaria. O uso religioso ou político do Canal está vetado. Para impedir que ocorra, o texto prevê a fiscalização das transmissões pelo Minicom e a criação de conselhos municipais. Prefeitura e estado poderão transmitir votações, atos, decisões legislativas e do executivo, além de programação educativa, enquanto a sociedade será responsável por denunciar abusos à Anatel. As organizações civis que receberem as faixas comunitárias não poderão ter vínculo com partido ou representante político; deverão modificar o estatuto para acrescentar a missão de programar uma faixa do Canal da Cidadania; seus dirigentes precisarão residir no município; e terão de emitir certidões negativas referentes aos últimos cinco anos de todas as pessoas que tenham passado pela direção – entre outras coisas.


Durante a consulta pública realizada em março do ano passado, Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom) sugeriu aliviar essas regras, mas o Minicom não cedeu. Paulo Miranda, presidente da associação, diz que 60 dias é pouco para apresentação de toda a documentação: “As associações não têm dinheiro e terão de pagar alguém para providenciar tudo a tempo. Sobre as certidões negativas, muitos dirigentes de associações foram jornalistas ou fizeram parte de movimentos de classe, recebendo processos. Como vão ter certidões negativas? E por que buscar certidões negativas de pessoas que já não fazem mais parte da direção, às vezes nem da entidade?”. O Minicom alega que as exigências são as mesmas previstas em lei para as demais outorgas de radiodifusão. “Não tem nenhuma documentação extra diferente de qualquer outra concessão”, defende Pierante.


As limitações de custeio são outra preocupação da ABCCom, que tem 61 integrantes. Segundo a portaria, o Canal da Cidadania não pode transmitir comerciais. As TVs comunitárias devem se bancar com doações e “publicidade institucional de entidades de direito público ou de direito privado”. Porém, Miranda avalia que os anúncios do governo nas TVs comunitárias são muito poucos, e isso não deve mudar tão cedo.


Independentemente do financiamento, agora é hora de agir, avalia William, da Amarc. Ele conta que as pessoas já estão se mobilizando, o movimento social já está se articulando. “Em Duque de Caxias pedimos o canal à prefeitura. Estamos em contato com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para colocar na faixa estadual o conteúdo disponível em seu site, pois o edital das TVs comunitárias só sai depois que tiver a frequência definida”, relata. E dá a dica: as comunidades precisam se preparar porque, em muitos casos, vai ser preciso conquistar a adesão do governo local, mostrando os ganhos que a iniciativa propicia à gestão pública. 

fonte: https://bit.ly/X6hzt

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